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bilhete.
Rasgou um pedaço de uma das primeiras páginas do manuscrito de Quaresma, e assim
mesmo, sobre aquela ponta de papel, a lápis azul, escre- veu algumas palavras ao seu ministro da
Guerra. Ao acabar é que deu com a desconsideração:
 Ora! Quaresma! rasguei o teu escrito... Não faz mal... Era a parte de cima, não tinha nada
escrito.
O major confirmou e o presidente, em seguida, voltando-se para Bus- tamante:
 Aproveita Quaresma no teu batalhão. Que posto queres?
 Eu! fez Quaresma estupidamente.
 Bem. Vocês lá se entendem.
Os dois se despediram do presidente e desceram vagarosamente as escadas do Itamarati. Até à
rua nada disseram um ao outro. Quaresma vinha um pouco frio, O dia estava claro e quente; o
movimento da cidade parecia não ter sofrido alteração apreciável. Havia a mesma agitação de bondes,
carros e carroças; mas nas fisionomias, um terror, um espanto, alguma coisa de tremendo ameaçava
todos e parecia estar suspenso no ar.
Bustamante deu-se a conhecer. Era o Major Bustamante, agora tenente-coronel, velho amigo
do marechal, seu companheiro do Paraguai.
 Mas nós nos conhecemos! exclamou ele.
Quaresma esteve olhando aquele velho mulato escuro, com uma grande barba mosaica e olhos
espertos, mas não se lembrou de tê-lo já encontrado algum dia.
 Não me recordo... Donde?
 Da casa do General Albernaz... Não se lembra?
Policarpo então teve uma vaga recordação e o outro explicou-lhe a formação do seu batalhão
patriótico "Cruzeiro do Sul".
 O senhor quer fazer parte?
 Pois não, fez Quaresma.
 Estamos em dificuldades... Fardamento, calçado para as praças... Nas primeiras despesas
devemos auxiliar o governo... Não convém sangrar o Tesouro, não acha?
 Certamente, disse com entusiasmo Quaresma.
 Folgo muito que o senhor concorde comigo... Vejo que é um patriota..." Resolvi por isso
fazer um rateio pelos oficiais, em proporção ao posto: um alferes concorre com cem mil-réis, um
tenente com duzen- tos... O senhor que patente quer? Ah! É verdade! O senhor é major, não é?
Quaresma então explicou por que o tratavam por major. Um amigo, influência no Ministério
do Interior, lhe tinha metido o nome numa lista de guardas-nacionais, com esse posto. Nunca tendo
pago os emolumentos, viu-se, entretanto, sempre tratado major, e a coisa pegou. A princípio, pro-
testou, mas como teimassem deixou.
 Bem, fez Bustamante. O senhor fica mesmo sendo major.
 Qual é a minha quota?
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 Quatrocentos mil-réis. Um pouco forte, mas... O senhor sabe; é um posto importante...
Aceita?
 Pois não.
Bustamante tirou a carteira, tomou nota com uma pontinha de lápis e despediu-se jovialmente:
 Então, major, às seis, no quartel provisório.
A conversa se havia passado na esquina da Rua Larga com o Campo de Sant'Ana. Quaresma
pretendia tomar um bonde que o levasse ao centro da cidade. Tencionava visitar o compadre em
Botafogo, fazendo, assim, horas para a sua iniciação militar.
A praça estava pouco transitada; os bondes passavam ao chouto com- passado das mulas; de
quando em quando ouvia-se um toque de corneta, rufos de tambor, e do portão central do quartel-
general saía uma força, armas ao ombro, baionetas caladas, dançando nos ombros dos recrutas,
faiscando com um brilho duro e mau.
Ia tomar o bonde, quando se ouviram alguns disparos de artilharia e o seco espoucar dos fuzis.
Não durou muito; antes que o bonde atingisse à Rua da Constituição, todos os rumores guerreiros
tinham cessado, e quem não estivesse avisado havia de supor-se em tempos normais.
Quaresma chegou-se para o centro do banco e ia ler o jornal que com- prara. Desdobrou-o
vagarosamente, mas foi logo interrompido; bateram- lhe no ombro. Voltou-se.
 Oh! general!
O encontro foi cordial. O General Albernaz gostava dessas cerimô- nias e tinha mesmo um
prazer, uma deliciosa emoção em reatar conheci- mentos que se tinham enfraquecido por uma
separação qualquer. Estava fardado, com aquele seu uniforme maltratado; não trazia espada e o pince-
nez continuava preso por um trancelim de ouro que lhe passava por detrás da orelha esquerda.
 Então veio ver a coisa?
 Vim. Já me apresentei ao marechal,
 "Eles" vão ver com quem se meteram. Pensam que tratam com o Deodoro, enganam-se!... A
República, graças a Deus, tem agora um homem na sua frente... O "caboclo" é de ferro"... No
Paraguai...
 O senhor conheceu-o lá, não, general?
 Isto é... Não chegamos a nos encontrar, mas o Camisão... É duro, o homem. Estou como
encarregado das munições... É fino o "caboclo": não me quis no litoral. Sabe muito bem quem sou e
que munição que saia das minhas mãos, é munição... Lá, no depósito, não me sai um caixote que eu
não examine... É necessário... No Paraguai, houve muita desordem e comilança: mandou-se muita cal
por pólvora  não sabia?
 Não.
 Pois foi. O meu gosto era ir para as praias, para o combate; mas o "homem" quer que eu
fique com as munições... Capitão manda, mari- nheiro faz... Ele sabe lá...
Deu de ombros, concertou o trancelim que já caía da orelha e esteve calado um instante.
Quaresma perguntou:
 Como vai a família?
 Bem. Sabe que Quinota casou-se?
 Sabia, o Ricardo me disse. E Dona Ismênia, como vai?
A fisionomia do general toldou-se e respondeu como a contragosto:
 Vai no mesmo.
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O pudor de pai tinha-o impedido de dizer toda a verdade. A filha enlouquecera de uma loucura
mansa e infantil. Passava dias inteiros calada, a um canto, olhando estupidamente tudo, com um olhar
morto de estátua, numa atonia de inanimado, como que caíra em imbecilidade; mas vinha uma hora,
porém, em que se penteava toda, enfeitava-se e corria à mãe, dizendo: "Apronta-me, mamãe. O meu
noivo não deve tardar... é hoje o meu casamento." Outras vezes recortava papel, em forma de
participações, e escrevia: Ismênia de Albernaz e Fulano (variava) participam o seu casamento.
O general já consultara uma dúzia de médicos, o espiritismo e agora andava às voltas com um
feiticeiro milagroso; a filha, porém, não sarava, não perdia a mania e cada vez mais se embrenhava o
seu espírito naquela obsessão de casamento, alvo que fizeram ser da sua vida, a que não atingi- ra,
aniquilando-se, porém, o seu espírito e a sua mocidade em pleno verdor.
Entristecia o seu estado aquela casa outrora tão alegre, tão festiva. Os bailes tinham
diminuído; e, quando eram obrigados a dar um, nas datas principais, a moça, com todos os cuidados, à
custa de todas as promessas, era levada para a casa da irmã casada, e lá ficava, enquanto as outras dan-
çavam, um instante esquecidas da irmã que sofria.
Albernaz não quis revelar aquela dor de sua velhice; reprimiu a emo- ção e continuou no tom
mais natural, naquele seu tom familiar e íntimo que usava com todos:
 Isto é uma infâmia, Senhor Quaresma. Que atraso para o país! E os prejuízos? Um porto
destes fechado ao comércio nacional, quantos anos de retardamento não representa!
O major concordou e mostrou a necessidade de prestigiar o Governo, de forma a tornar
impossível a reprodução de levantes e insurreições.
 Decerto, aduziu o general. Assim não progredimos, não nos adian- tamos. E no estrangeiro
que mau efeito!
O bonde chegara ao Largo de São Francisco e os dois se separaram. Quaresma foi direitinho
ao Largo da Carioca e Albernaz seguiu para a Rua do Rosário.
Olga viu entrar seu padrinho sem aquela alegria expansiva de sempre. Não foi indiferença que
sentiu, foi espanto, assombro, quase medo, embora soubesse perfeitamente que ele estava a chegar.
Entretanto, não havia mudança na fisionomia de Quaresma, no seu corpo, em todo ele. Era o mesmo
homem baixo, pálido, com aquele cavanhaque apontado e o olhar agudo por detrás do pince-nez...
Nem mesmo estava mais queimado e o jeito de apertar os lábios era o mesmo que ela conhecia há
tantos anos. Mas, parecia-lhe mudado e ter entrado impelido, empurrado por uma força estranha, por
um turbilhão; bem examinando, entretanto, verificou que ele entrara naturalmente, com o seu passo
miúdo e firme. Donde lhe vinha então essa coisa que a acanhava, que lhe tirara a sua alegria de ver [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]

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